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domingo, 23 de setembro de 2012

João


Não precisei de muito pra notar você parado algumas poltronas à frente naquele ônibus azul. Talvez a sua pele branca demais tenha denunciado sua presença ou, quem sabe, os cachos cor de terra do seu cabelo tenham capturado minha atenção em fração de segundos, prendendo meu olhar e fazendo minha respiração perder o ritmo. Nunca acreditei em amor à primeira vista, mas te amei assim que me percebi dançando a sua dança. Ainda que eu nunca houvesse lhe oferecido a minha mão, você me conduziu com verdadeira maestria, ali mesmo entre poltronas, pessoas e solavancos.

Poderia ficar ali sentado, observando seu jeito desajeitado, de mochila nas costas e All Star surrado, perguntando com toda educação ao cobrador em que ponto ativar o sinal de parada. Mas talvez naquele dia eu merecesse mais do que um simples amor passageiro. Talvez eu merecesse mais de você, meu querido desconhecido que já tomava meu sorriso mais espontâneo pelo simples fato de existir, de estar diante dos meus olhos e parecer ser quem eu sempre esperei.

Tantos laços já me ligavam a você, que não me surpreendi ao vê-lo se aproximar e sentar ao meu lado. Você e sua pele branca demais, seu cabelo cor de terra e seu perfume amadeirado. Pareceu natural, como se nos pertencêssemos desde sempre e fôssemos as partes dispostas de um grande imã, unidas em qualquer situação.

E nessa situação esse imã te trouxe de longe, pra encher meus olhos de brilho nesse dia comum. Quis então ser teu guia, te mostrar cada canto da cidade e fazer deles uma lembrança boa, algo que representasse para nós. Descobri um pouco de você, gravei sua voz e me encantei com sua paixão pelo violão clássico e seu sonho de viver de música. Pensei mil coisas, deixei escapar um sorriso de canto e tive a certeza de que era você o meu par nessa dança que já ganhava contornos de nós dois, embalados pelas canções que um dia você faria pra mim.

Mas então o ônibus diminuiu a velocidade e parou. O cobrador fez sinal e você precisou descer. Antes um aperto de mão e um sorriso educado como agradecimento à companhia e só. Continuei sentado, olhando você partir e atravessar a rua sem ao menos olhar para trás. Talvez eu não tenha sido seu grande amor inesperado, mas prefiro acreditar que você já sofreu o bastante para continuar acreditando em amor à primeira vista, e ainda que qualquer sentimento tenha brotado ai dentro, você preferiu seguir andando sem pensar demais.

Você, a quem eu nem ao menos perguntei o nome, ficará na minha cabeça pelo resto da semana até que eu me canse de lembrar e aos poucos me esqueça dos detalhes desse nosso encontro. Você, a quem no meio de uma dose de vodka e suco de maracujá, batizei de João.

*Texto que nasceu após uma conversa entre amigos, numa noite, no quintal.

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