Bento nasceu poeta. Veio ao mundo
numa tarde de primavera enquanto a velha vitrola de seu avô espalhava pelo
quarto uma canção da Elis. Batizado após leituras Machadianas, Bento cresceu
correndo com os pés no chão, sentindo a terra amarela tingir seus pés, fazendo
de sua meninice um capítulo de histórias que só a ele pertenciam. Duelava com
ferozes dragões, refugiava-se em seu castelo no topo da montanha mais alta e
percorria o mundo em seu pequeno aeroplano, à procura do grande tesouro ao
final do arco-íris.
Bento cresceu poeta. Saiu de casa
muito cedo, de mochila nas costas e cabelo em rabo de cavalo. Demorou até
entender o que queria e talvez até hoje não tenha encontrado todas as peças do
quebra-cabeça. Tem sonhos que não cabem no coração, nem no papel e muito menos
nas paredes rabiscadas do seu quarto. É que Bento vive a poesia das coisas que
inspiram seus dias como quem vive o último dos dias.
Bento é poeta. Fez do mar sua
maior inspiração, seu conselheiro mais fiel. Fez amigos-irmãos, daqueles para
toda a vida, guardados do lado esquerdo do peito, como Milton já cantou. Também
teve amores, cada um, um capítulo à parte, guardados em uma gaveta qualquer.
Não eram seu ponto fraco, não mais. Hoje, rende-se aos doces, geralmente
devorados nas noites de insônia enquanto a caneta rabisca algum verso ou um
desenho sem propósito e forma definida.
Acontece que, diferente de tantos
outros rapazes, Bento é doce. Herança dos dias de pé no chão, das horas em
frente ao mar. Apesar da pose de homem sério, tinha olhos de menino arteiro com
as mãos lambuzadas de chocolate.