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sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Seria diferente com você?

Seria diferente com você? Seria diferente se ao invés de ter largado o computador em cima da mesa, naquele fim de semana sem graça, eu tivesse esperado você chegar de viagem, com a roupa amarrotada, sua cara de cansaço e uma garrafa de vinho nas mãos? Você diz que sim, eu já não sei. Difícil pensar no que não aconteceu, não é verdade? É difícil cogitar o ‘se’ que não veio a ser, mas que nunca deixou de ser pauta para os nossos desabafos numa conversa qualquer.

Diz pra mim como seria se você não tivesse feito charme naquela festa estranha e aceitado meu convite para um drink, uma dança e um beijo. Se não tivesse sumido por tempos incontáveis e retornado com a cara lavada, trazendo nas costas o peso de tantos romances falidos. Como seria se o tempo gasto por você em cada aventura mal sucedida tivesse sido usado naquilo que os nossos olhares já haviam anunciado meses atrás? Diz se valeu à pena esse amontoar de peças que nunca se encaixarão a você, que nunca te completarão e muito menos te farão feliz. Valeu?

E hoje, valeríamos à pena? Como seria voltar atrás para recuperar aquele frescor da descoberta um do outro? Sabe, era ali onde estava toda a graça e vontade de tentar, de segurar sua mão num canto escuro e me fazer seu, de te sentir mais de perto e constatar que poderíamos seguir em frente. Agora, que estamos calejados de tantos desencontros e morremos de medo de dar o primeiro passo, imagina então achar forças para caminhar uma estrada inteira de incertezas.

Talvez um dia, quem sabe, apostaremos um no outro como uma última tentativa; uma última chance de fazer dar certo, de fazer valer. Mas quem saberá? Deus? O destino? O caderno de astrologia? Eu ou você? O certo é que, se o nosso velho ‘se’ vier a ser, saberemos que o tempo é, de fato, cruel, crucial e extremamente necessário.

terça-feira, 20 de maio de 2014

O amor que não coube

Tropeçamos. Já não era sem tempo, já passava da hora. Você interpretou mal aquela história de caminhar juntos e eu simplesmente deixei que fizesse dos meus passos sua trilha. Você abandonou os próprios sapatos jogados num canto do quarto para calçar os meus, fingindo não se incomodar com os números a mais que lhe sobravam no pé, impossível de serem preenchidos até que lhe coubessem. Parecia criança brincando de ser gente grande, vasculhando o guarda-roupa dos pais para vestir-se da experiência e maturidade que só viriam com o tempo. 

Você não quis esperar que o amor ganhasse as medidas necessárias para vestir nossos corpos em desalinho. Não que o amor tenha uma medida perfeita, mas nossos ajustes se transformaram em remendos que se sobrepunham aos nossos desejos de felicidade e querer bem. Era como se estivéssemos envolvidos por uma colcha de retalhos que já não aquecia mais e deixava vazar para fora da cama todo o carinho que tínhamos nas mãos.

Tropeçamos e caímos estabanados no chão, você com lágrimas nos olhos e eu somando apenas mais um machucado que arderia por alguns dias, mas logo entraria para a memória. Você já era, para mim, uma memória recente que se tornaria, com o tempo, meu exemplo absoluto de como não agir, de como entender que a vida a dois, bem antes de ser a fortaleza protetora de duas almas, é um caminhar de passos lentos cheio de obstáculos a serem superados.

Seu amor não me serviu, veio grande demais, enquanto que o meu carinho lhe apertava o coração a ponto de quase suprimi-lo dentro do peito. Me desculpa a falta de zelo, eu não sei fingir afeto. Eu não sei fingir quando me pisam o calo e roubam meu espaço com tantas mãos, braços e segundas intenções forçadas demais. E por precisar de espaço, joguei fora o que não me coube.

quarta-feira, 26 de março de 2014

Sua birra

Me perdoe a falta de modos, mas quando você vai parar de foder com sua vida? Digo no sentido de fazer tudo errado e descontar os seus e todos os problemas do mundo nas costas de quem tenta te entender e manter-se por perto, sem cobranças. Faz pouco tempo que você mudou a mobília da casa, pintou as paredes, pendurou novos quadros na sala e limpou o quintal. “Ano novo, casa nova. Tudo que não presta fica pra trás a partir de agora”, você disse com um estufar de peitos que me encheu de esperanças de também mudar as coisas por aqui, arrumar o jardim e consertar tudo que o tempo desarranjou.

Mas você acorda no meio da noite e vai tropeçando na quina dos móveis, acumulando novos machucados e despejando a dor de pequenos erros e frustrações em tudo a seu alcance; na visita inesperada no fim do dia ou no telefone que toca sem parar. Sabe, eu te liguei naquela tarde de domingo pra te avisar sobre aquele filme que ia passar na TV e que você tanto queria assistir. Também te liguei ontem no fim do expediente só pra saber se você estava bem. Em troca, tive o vazio pulsante de um aviso eletrônico intensificando nossa distância e nossos poucos sinais.

Aos poucos, você tem feito de si mesmo uma ilha rodeada de desencantos e esperanças falidas. Mas eu não quero te perder para esse novo mundo de sentimentos que te abraçou. Quero fazer das suas descobertas algo novo também para mim e perceber, na sua voz empolgada do outro lado da linha, a faísca que falta para reacender a fogueira que se apagou aqui dentro.

Você anda parecendo criança com birra, lambuzada de doce e pedindo mais. Mais olhares, mais doces e mais mimos. Chora sem querer notar a barreira de mãos que te protegem, prontas para te segurarem caso caia um dia. Então, desamarra essa cara, escancare a janela. Esqueça que todo começo é complicado e não abra mão do afeto que lhe é ofertado, ainda que tardio. Lembre-se que o tempo pode moldar nossos sonhos, mas ele nunca será capaz de apagá-los. 

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Falta calor


A TV não funciona, acabou o café e lá fora chove tanto que nem mesmo os barquinhos de papel que bailavam sobre a enxurrada sobreviveram às fortes gotas. Os livros empilhados ao chão já foram lidos por mim tantas vezes que já não sou capaz de suportá-los. Hoje escoram a porta que teimava em bater e fechar-se ao toque do vento. Insisto em manter as janelas abertas, ainda que sob forte chuva. Insisto em sentir e imaginar que um dia será por elas onde poderei fugir, desejando nunca mais voltar. Elas permanecem abertas mesmo que as chuvas custem a passar e tudo dentro do quarto acabe se encharcando. Coisa pior já umedeceu e meu coração já nem lembra o que é calor.

Calor no coração quando não é ódio, é amor. Há tempos não sei o que significa odiar. Na última vez que praguejei e fervilhei os olhos, havia levado meu dedão do pé direito de encontro à mesa de jantar. Também não sei mais o que é amar e isso é o que mais me inquieta, me aperta o peito e me causa dor. Há tempos, quando me percebi no amor, você ainda estava aqui, parado diante ao fogão preparando seu famoso filé mignon.

Odiar nunca foi meu forte, já amar demais é meu fraco desde que me entendo por gente. Gente boba e sonhadora, por sinal. Gente que acredita no lado bom das coisas, meio Poliana, meio quase pastel. Diferente das janelas meu peito parece ter se fechado e, enquanto chove, eu só observo o tempo que passa, o vidro embaçado e o quarto molhado.

***

Rejeito os livros e os discos do natal passado, eles falam de amores e me lembram você. Mas o vinho, esse eu deixei ficar e repousar tinto dentro de mim.

quinta-feira, 1 de agosto de 2013

Pertencer

As chaves caíram sem jeito sobre a mesa de vidro, produzindo um barulho incômodo no silêncio da sala. Passava das três horas de uma madrugada estranha. Havia saído de casa com o coração em chamas, ardendo de aflição, talvez tão vermelho quanto meus olhos que não sabiam mais conter o choro. Soluçávamos. Parecíamos dois inconsoláveis ali no escuro do quarto, armados da dureza de cada palavra que pulava boca afora. Precisei sair. Precisei te deixar por alguns minutos, mesmo que aos prantos. Dessa vez eu não poderia te proteger com um abraço e enxugar seu rosto com as costas das mãos. Nos estranhávamos feito cão e gato e nossa compatibilidade tão natural, naquele momento, havia se tornado incompatível.

Precisei sair. Precisei de abrigo e não era em seu corpo que eu desejava aninhar o meu. Não queria o calor da sua pele, nem o toque dos seus dedos a me massagear a cabeça e, assim, acalmar o coração. Você era fera. Eu era a fera. Ambos éramos a presa. Caímos na nossa própria armadilha e quando o espinho perfurou, doeu tanto que foi inevitável gritar. Gritamos tanto, que a estranheza do silêncio quando cessaram as palavras embrulhou o estômago. Então saí sem nem mesmo me importar com o que vestia, ou se minha cara era de poucos amigos e coração partido. Te deixar foi a solução. A rua me abrigou.

Nunca brigamos. Em todos esses anos, suportamos nossas manias e nossos defeitos, jogando os infortúnios debaixo do tapete, feito pó. Tentamos apaziguar nossas diferenças, pincelando nossas poucas qualidades sobre elas, cobrindo tudo com borrões que nos pareciam convincentes. Bastou a primeira chuva pra tudo escorrer, pelo rosto, entre os dedos, sobre os lençóis da nossa cama. Fizemos tudo errado e ainda brindamos com chá e biscoitos.

Minha vontade era sumir no mundo, tomar o rumo da rua até desaparecer por completo. Acontece que meu sedentarismo não me permitiu ir muito além que duas quadras e, já sem forças pra caminhar, só consegui me jogar num banco qualquer até poder retornar. Me despi de todo e qualquer sentimento. Estava vazio e o vazio me fez voltar. Não fazia ideia de quanto tempo estava ali, de pijamas, sentado ao relento colocando tudo em ordem até não sobrar nada.  Voltei a passos largos pela rua. Tanto vazio dentro do peito já incomodava. Acho que já era falta. Saudade e arrependimento, tudo junto. Ainda assim, algo que se fez necessário; um ponto de luz no fim de um túnel que começava a desabar sobre nós.

Assustei com o barulho que as chaves fizeram quando as joguei sobre a mesa, estragando minha vontade de não me fazer notar. Mas você já dormia e nem sequer percebeu. Já no quarto, te observei por alguns instantes enquanto dormia sob a luz do abajur. Talvez estivesse sonhando ou, quem sabe, seus pensamentos estivessem tão vazios quanto os meus. Apesar da bagunça dos lençóis caídos no chão, o ar já estava mais ameno e respirar já não era tão difícil.

Deitei, ao seu lado e enlacei sua cintura com um abraço calmo. Tocar sua pele me devolveu um velho sentimento de pertencimento. Sim, acredite! Pertencemos um ao outro desde que nos fizemos um só. Te querer bem é meu maior estimulo a prosseguir, ainda que seja preciso derrubar o amontoado de pedras tortas que rodeavam nossa relação.