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quarta-feira, 24 de julho de 2013

Carta de espera



Mesa de Jantar, domingo de lua, 62 dias desde que partiu.


Meu amor,


Termino mais um fim de semana com dores nas costas e uma alergia fora do comum. Não se preocupe, já desci até a farmácia e voltei munido de todos aqueles comprimidos coloridos e de formatos diversos que nunca me descem pela garganta numa primeira tentativa. Aproveitei e subi na balança, ciente de que os velhos 65 quilos ainda estariam ali, nem uma grama a mais, nem a menos, como nos últimos cinco anos. As dores se acentuam a cada passo e espirrar já ficou tão chato que esbravejo um palavrão sempre que o nariz ameaça coçar. Às vezes até tento prender  gosto daquela coisa de autocontrole, da sensação estranha que a cabeça vai explodir – mas despejo tudo pra fora e o mundo é que se exploda.

A culpa é sua. Toda e completamente sua. Talvez não houvesse a necessidade de dispensar a diarista, mas eu só queria te mostrar que eu mudei. Pelo menos estou tentando, juro! O cesto de roupas sujas está vazio, já aspirei aquele tapete (chinês?) que você comprou naquele brechó e até aprendi a fazer aquela receita de batatas assadas que você tanto aprovou. Encaixotei as tralhas da garagem, pintei as paredes do quarto, troquei o chuveiro queimado, mudei os móveis de lugar e até abandonei aquela velha mania de deixar a toalha molhada sobre a cama. Tudo em tempo recorde só por você.

Foi difícil viver aqui no último mês. Na verdade, demorei alguns dias até entender seu bilhete de “Preciso de um tempo. Vou visitar minha mãe”. Quatro dias e meio pra ser mais preciso e desde então o que eu tenho feito é te esperar. E nessa espera, compreender o quão infantil eu era sempre que você tentava conversar sério e eu dava de ombros. Entender que você só pedia atenção quando chegava juntinho no sofá e o meu game novo lhe roubava todos os abraços que eu poderia dar naquele momento. Perceber, na falta, o quanto essas tantas pequenas coisas te faziam infeliz e te levaram a procurar por esse tempo que custa chegar ao fim. Lá se vai dois meses e eu aqui, você aí e nada de nós dois.

Mas agora tudo está no lugar: casa e coração. Te espero em cada noite de domingo, pois só com você do lado minha segunda-feira voltará a ser doce como antes e, prontos para um novo começo, recomeçaremos. Te espero na certeza de que não existirão mais motivos para partidas repentinas, dias ruins ou conversas sérias demais. Quanto às dores? Elas passarão.


Com amor,
Seu amor.


Este texto faz parte de um projeto especial do Esquinas com canções de Saulo Fernandes e foi inspirado na música “Tão Sonhada“.

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