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quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

O café


Você demorou tanto a chegar, que o café que te esperava dentro da xícara sobre a mesa perdeu o calor. Já passavam das 10 e o lanche era às 5. Foi você quem inventou essa história de aos poucos fazer da gente um pouco mais britânicos mesmo sem gostar de chá; mesmo sem saber inglês; mesmo achando a rainha apenas uma senhora fofa e nada mais.

Esperei você enquanto brincava com o pote de biscoitos e lambuzava suas torradas com margarina e geleia, do jeito que você gosta. Sempre desconfiei do seu paladar exótico demais, mas gostava de ouvir suas teorias sobre a mistura das cores e a influência que cada tom tinha em seus dias. De fato, o amarelo da margarina e o vermelho vivo da sua geleia de morango faziam diferença.

Você demorou e eu acabei dormindo ali mesmo, sentado na cadeira, debruçado sobre a mesa. Acordei assustado depois de um sonho confuso e você estava ali, na minha frente, rindo do meu rosto sujo com as torradas lambuzadas que acabaram me servindo de travesseiro. Eu tentei ficar bravo pelo seu atraso, enrugar a testa e levantar sem dizer palavra alguma. Não queria explicações ou desculpas. Só queria você ali tomando café comigo, ainda que frio, ou amargo; ainda que não fosse café.

Sei que amanhã não te esperarei às 5.
Não preciso de hora marcada pra te amar.

quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

Do tipo mistério



Ainda não sei quem você é, onde mora ou se gosta de jujubas assim como eu. Ainda não sei quais são suas manias, se o seu signo combina com o meu ou se precisaríamos ter paciência para dividir o controle da TV quando meu seriado favorito e o seu programa de humor estivessem ao mesmo tempo no ar. Nem sei se você é do tipo que gosta de rir escancaradamente ou se prefere um riso de canto, contido e discreto.

Você apenas apareceu e me deixou cheio de dúvidas. Já passo dos 22 e ainda não aprendi a controlar a ansiedade quando alguém assim, do tipo mistério, aparece. Ando cheio de quereres desde que te descobri e não saber o mínimo de você me deixa louco, sofro por antecipação e deixo a expectativa subir à cabeça.

Acho que você tem as peças de mim que fui deixando pelo caminho, aquelas que se desprenderam em lugares incomuns na esperança de que fossem achadas e trazidas de volta. É difícil compreender, nem eu mesmo entendo. Parece que você é um eu disfarçado em mais segurança e uma cara de mau, mas ainda um menino aprendendo a viver.

Acho que, de fato, sou mesmo um pouco louco. Você surgiu há três dias e eu já me sinto um pouco seu. Já idealizo nosso cinema nas noites de sexta e nosso sorvete de casquinha aos sábados. Mas e se você não gostar de sorvete?

Aceitaria um café?

terça-feira, 15 de janeiro de 2013

Sobre a gente


Foi preciso um novo ano chegar e eu descobrir que a gente é um tipo de gente diferente. Não sozinhos; cada um no seu canto. A gente junto que é diferente.  Diferente porque mesmo separados estamos juntos. Presos pelo olhar, pelas batidas do coração que se ouve ao longe, presos por um passado que foi bom. Haverão de dizer: “Mas e as tempestades? Esqueceu dos dias de puro cinza e frio?”. Que digam.

A gente é diferente até na forma de amar, de querer. A gente nem divide a mesma cama e ainda se ama. A gente pode caminhar segurando outras mãos, pode roçar outros pelos antes de dormir, pode até ter outros amores, mas mesmo assim a gente vai continuar se amando.

Pelo menos aqui o amor ainda existe e não retiro as intenções daquelas cartas que te dei. 
Ainda existe um amor, amor diferente, mas ainda assim, amor. Amor de quem gosta mesmo enfiando o pé na jaca, chutando o pau da barraca; mesmo voando contra o vento ou remando contra a maré. 

É que o tempo da gente já passou e o amor ficou. Só penso que é preciso mudar de endereço, mesmo deixando a casa no lugar.