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quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Falta calor


A TV não funciona, acabou o café e lá fora chove tanto que nem mesmo os barquinhos de papel que bailavam sobre a enxurrada sobreviveram às fortes gotas. Os livros empilhados ao chão já foram lidos por mim tantas vezes que já não sou capaz de suportá-los. Hoje escoram a porta que teimava em bater e fechar-se ao toque do vento. Insisto em manter as janelas abertas, ainda que sob forte chuva. Insisto em sentir e imaginar que um dia será por elas onde poderei fugir, desejando nunca mais voltar. Elas permanecem abertas mesmo que as chuvas custem a passar e tudo dentro do quarto acabe se encharcando. Coisa pior já umedeceu e meu coração já nem lembra o que é calor.

Calor no coração quando não é ódio, é amor. Há tempos não sei o que significa odiar. Na última vez que praguejei e fervilhei os olhos, havia levado meu dedão do pé direito de encontro à mesa de jantar. Também não sei mais o que é amar e isso é o que mais me inquieta, me aperta o peito e me causa dor. Há tempos, quando me percebi no amor, você ainda estava aqui, parado diante ao fogão preparando seu famoso filé mignon.

Odiar nunca foi meu forte, já amar demais é meu fraco desde que me entendo por gente. Gente boba e sonhadora, por sinal. Gente que acredita no lado bom das coisas, meio Poliana, meio quase pastel. Diferente das janelas meu peito parece ter se fechado e, enquanto chove, eu só observo o tempo que passa, o vidro embaçado e o quarto molhado.

***

Rejeito os livros e os discos do natal passado, eles falam de amores e me lembram você. Mas o vinho, esse eu deixei ficar e repousar tinto dentro de mim.